Entrevista com Dr. Paulo Coelho

1 - É mito ou é verdade que o bebé na barriga da mãe, já ouve tudo o que se passa cá fora?

Não, não é mito. De facto, esta tem sido uma área bastante estudada e já existem evidências científicas sólidas que comprovam que por volta da 12ª-13ª semana de gestação o bebé já começa a ouvir, sendo que a reação e distinção clara de sons ocorre por volta da 24ª semana de gestação. Com isto não podemos afirmar que o bebé ouve “tudo” o que se passa no exterior, uma vez que o líquido amniótico que se encontra no ouvido médio do bebé atenua ou obstrui determinados sons, mas sabemos que o bebé é capaz de identificar e responder a estímulos sonoros, apresentando reações positivas aos sons suaves, às canções melodiosas ou à voz serena da mãe.

2 - Faz sentido uma mãe preocupar-se com o que "ouve" durante a gravidez?

A partir do momento em que sabemos que o bebé ouve durante a gestação, faz todo o sentido que nos preocupemos com a qualidade do que o bebé irá ouvir. Aliás, faz imenso sentido que estejamos atentos às emoções que estão associadas a cada som ou ruído a que a mãe está exposta. Cada emoção desencadeia uma resposta hormonal na mãe e altera o seu ritmo cardíaco, o que é imediatamente sentido pelo bebé que se encontra no útero. Deste modo, se o bebé associar determinados sons a respostas de relaxamento ou prazer por parte da mãe e outros sons ou ruídos a reações de stress, após o nascimento o recém-nascido irá desencadear o mesmo tipo de respostas perante os estímulos sonoros que as desencadearam na mãe durante o período de gestação.

3 - Que tipo de estímulo sonoro achas imprescindível que uma grávida tenha, para que o bebé se torne uma criança mais sensitiva? Consegues dar-me exemplos?

Para responder a esta questão, terei de dividi-la em duas partes. Em primeiro, no que respeita aos estímulos sonoros, apesar de globalmente se considerar que os sons e ritmos suaves, as canções de embalar, as melodias serenas e a voz tranquila da mãe serão os estímulos sonoros mais adequados durante o período de gestação, se associarmos os sons ouvidos às emoções que estes desencadeiam, podemos ir mais além nesta definição e considerar que os melhores estímulos sonoros serão todos aqueles que ativam emoções positivas na mãe (e cada grávida terá os seus, pelo que os exemplos estariam desfasados da individualidade de cada mamã) e que estarão presentes no dia-a-dia do bebé após o seu nascimento. Deste modo, estaremos a permitir que o recém-nascido reaja positivamente aos estímulos sonoros a que estará exposto.

Em segundo, gostaria de me focar na questão da “criança mais sensitiva”. O termo “sensitivo” remete para sentidos, e esses são cinco! É atendendo aos 5 sentidos que podemos tornar uma criança “mais sensitiva”. Uma vez que a criança não reage da mesma forma perante a ativação de cada um dos sentidos, tendemos a focar o nosso estímulo nos sentidos que desencadeiam uma resposta mais observável. No entanto, para uma adequada integração no mundo que a recebe, é fundamental que sejam ativados todos os órgãos dos sentidos, expondo o bebé a atividades que ativem a audição, a visão, o paladar, o tato e o olfato. É claro que tal não é possível no útero, pelo que antes do nascimento é importante que a mamã esteja particularmente atenta aos comportamentos que possam, direta ou indiretamente, desencadear respostas emocionais positivas a partir dos seus órgãos dos sentidos, nomeadamente através da música, de conversas animadas, do cantarolar, etc; na ingestão de alimentos que lhe estimulem o prazer de comer; da realização de atividades físicas ou massagens relaxantes; da observação de paisagem ou locais prazerosos, absorvendo não só os estímulos visuais mas também os estímulos sonoros ou olfativos... no fundo, procurando manter um estilo de vida positivo e, essencialmente, sensitivo!

4 - Quando nasce, qual a importância da relação sonora ambiental com o recém-chegado bebe?

Atualmente, vários autores consideram quem os 3 primeiros meses de vida do bebé são um período de adaptação ao mundo externo (fora do útero), tipicamente denominado de exterogestação. Deste modo, podemos olhar para esta etapa como uma fase de transição entre o útero e o mundo externo, pelo que a presença de estímulos que simulem o espaço intrauterino é muito importante para o bem-estar do recém-nascido. Existem diversas recomendações relacionadas com o banho, a forma de aconchegar o bebé, a amamentação, etc. que facilitam este processo. Relativamente aos estímulos sonoros, devemos ter em conta a necessidade que o bebé tem de ouvir não só os sons que desencadeavam emoções positivas na mãe, como de ser exposto aos sons que remetem para o espaço intrauterino, por exemplo reproduzindo um “shhhhh” contínuo e suave. Tal como referi anteriormente, o líquido amniótico atenuava ou obstruía determinados sons ambientais, pelo que, após o nascimento, o bebé poderá reagir negativamente aos ruídos inesperados do ambiente que o rodeia. De forma a ajudar no processo de habituação a estes ruídos, durante as primeiras semanas, quando é necessário acalmar o bebé para que, por exemplo, consiga adormecer, poderemos recorrer aos “white noises” ou ruídos brancos (obtidos, por exemplo, através de um secador ou aspirador – também existem em diversos áudios obtidos na internet), que omitirão os ruídos ambientais e são próximos do estímulo auditivo presente no útero.

5 - Aconselhas a interatividade com instrumentos musicais a partir de que idade?

Se tivermos em conta que o bebé começa a conhecer o mundo desde o nascimento, a exploração do ambiente que o rodeia através de todos os órgãos dos sentidos deverá começar de imediato. Naturalmente, a exposição aos estímulos deverá ter em conta as especificidades de um recém-nascido, que é hipersensível a qualquer estímulo novo. Deste modo, nas primeiras semanas será mais aconselhável a exposição aos sons a que estava exposto no meio intrauterino, sendo que após o 2º mês de vida, quando o bebé começa a desenvolver alguma destreza física, como a capacidade para segurar objetos com as mãos, poderemos apresentar alguns instrumentos simples (por exemplo: maracas, tambor, pandeiro, guiso...) que estimulem a ação da criança sobre o objeto.

6 - De que forma a música pode ser um elemento influenciador na construção da personalidade de uma criança?

A música, numa lógica mais abrangente, em que podemos incluir o contacto da criança com ambientes ricos em estímulos sonoros e musicais, a realização de atividades e brincadeiras que envolvam músicas promotoras de sensações e emoções positivas, o acesso a diversos materiais e brinquedos coloridos, com texturas diversas e que produzam sons, poderá se assumir como uma excelente forma de estimulação do desenvolvimento homogéneo e de construção de uma identidade segura. Ao brincar a criança explora e entende, através de todos os seus sentidos, o mundo que a rodeia, transformando os sentimentos e ideias em ações. Neste processo, desde os primeiros meses de vida, a criança deve ser considerada na sua individualidade, como sujeito ativo do seu desenvolvimento, capaz de se expressar, interagir e brincar, tanto por iniciativa própria como em resposta aos estímulos externos, nomeadamente os estímulos sonoros. Deste modo, sendo a música e os instrumentos musicais elementos ricos em estímulos, a presença destes no dia-a-dia da criança irá proporcionar um ambiente fértil na construção de uma personalidade segura. Afinal de contas, desde o momento em que a criança compreende que consegue exercer uma ação sobre um objeto, esta começa a desenvolver sentimentos de autoeficácia, diretamente relacionada com a construção de uma autoestima sólida e positiva.

7 - Tens este tipo de aconselhamento na clínica MIM? Os pais podem-te procurar?

Sim, tenho. Na consulta de desenvolvimento todas estas questões são avaliadas. Qualquer pai ou mãe que tenha dúvidas sobre o desenvolvimento do seu filho, que esteja com dúvidas sobre as etapas de desenvolvimento ou sobre a melhor forma de as estimular, pode procurar uma consulta de Psicologia da Infância e Adolescência onde poderá receber orientação nesta área.


Paulo R. C. Coelho
Psicólogo da Infância e Adolescência
Diretor Técnico da “mim – Clínica do Desenvolvimento”
geral@clinicamim.com | www.clinicamim.com
253 615 239 | 912 283 666


Ficha biográfica:
Nasceu na Madeira em 1985. É licenciado em Psicologia e Mestre em Psicologia Escolar e da Educação pela Universidade do Minho, iniciou o seu percurso profissional na Intervenção Precoce, tendo dedicado os últimos anos à prática clínica na mim – Clínica do Desenvolvimento em Braga e Guimarães, onde é diretor técnico. Por gosto, tem vindo a aprofundar conhecimentos técnicos através de várias formações e pós-graduações na área da Psicologia da Infância e Adolescência, das Práticas Parentais, da Neuroeducação, da Perturbação de Hiperatividade/défice de Atenção e do sono infantil. É responsável pelo módulo: “Estimulação do Recém-nascido”, nos cursos de Preparação para o Parto e Parentalidade do projeto “Coisas de Mamã”, em Braga. Nas consultas de Psicologia da Infância e Adolescência tem especial preferência pelas problemáticas do desenvolvimento, sono infantil, problemas de comportamento, educação parental, dificuldades de aprendizagem e Perturbação de Hiperatividade/Défice de atenção. E porque não gosta de guardar o saber só para si, frequentemente dinamiza sessões de esclarecimento, palestras e tertúlias dirigidas a pais e técnicos onde aborda e debate várias temáticas associadas ao desenvolvimento, à parentalidade e à saúde mental infantil.